segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A Universidade Privada no Brasil de hoje


Por Tábata Silveira
73% dos estudantes universitários brasileiros estão em universidades privadas, comunitárias ou confessionais. E este fenômeno tem consequências no processo de desenvolvimento do país.
A partir do governo Lula, nossa geração presenciou uma série de mudanças nas políticas de acesso ao ensino superior brasileiro, tais como o Prouni (Programa universidade para Todos), a UAB (Universidade Aberta do Brasil), o Reuni (Programa de reestruturação e expansão das Universidades Federais), a construção de 14 novas universidades e de mais de 100 novos campi espalhados pelo interior do país, além da aprovação de uma política de ações afirmativas, entre outras iniciativas.
Nos últimos dez anos dobrou a proporção dos jovens matriculados no ensino superior. Há uma diferença abissal entre a realidade e o passado próximo, quando o Estado brasileiro estava em mãos tucanas, a idéia de fazer um curso superior passava muito longe do projeto de vida da juventude, que não fugia muito do “caminho natural” de tentar completar o ensino médio, trabalhar a vida inteira, e apenas em alguns casos conquistar a casa própria e “ascender” socialmente.
“O Brasil precisa de gente que não se contenta com pouco!”
Contudo, em que pese os avanços, no seu conjunto estes programas ainda não constituem uma verdadeira reforma universitária, que implica em repensar o ensino superior na sua totalidade (seus objetivos, os currículos, os conteúdos, os métodos, o sistema de ingresso, a oferta de vagas, a assistência estudantil, o cumprimento do tripé ensino-pesquisa-extensão, o investimento, as concessões e o compromisso estatal de garantir tudo isso).
O Prouni, que garante o acesso para quem tem bom desempenho no ENEM e renda de até um salário mínimo per capita comprovada, não garante permanência. Ainda que não seja cobrada a mensalidade, os demais preços na universidade privada são caros, incompatíveis com o salário mínimo comprovado pelos estudantes bolsistas, que, com algumas exceções dentre os cursos da saúde, não recebem nenhum outro auxílio para alimentação, cópias, transporte, moradia ou creche.
Além dos bolsistas, nessa mesma condição se encontra um sem-número de estudantes que trabalham para pagar os estudos. Gente que via de regra demora muito mais pra completar o curso e que, quando se forma, além do canudo, recebe de presente uma impagável dívida contraída através de sistemas de financiamento, com facilidades burocráticas e juros absurdos.
A universidade privada é muito menos democrática que a pública. Isso se expressa no processo de admissão dos docentes e funcionários, nos conteúdos, nos métodos e na quase inexistência de mecanismos de participação discente; no poder absurdo das mantenedoras, que lucram muito cumprindo mal o papel que o Estado lhes terceirizou. E por isso não é nenhum exagero denunciar a mercantilização do ensino superior no país, que é um jeito de dizer que esses espaços estão se convertendo, mais a cada dia, em empresas cujo objeto é o estudante e o objetivo é o lucro, além de em suas salas de aula fazer propaganda para dar legitimidade ideológica ao capitalismo.
Um exemplo disso é o da PUC do Rio Grande do Sul, onde os estudantes não têm direito de sequer fazer movimento estudantil (a reitoria proíbe expressamente a panfletagem, a afixação de cartazes, a passagem em sala, as reuniões em salas fora do horário de aula). E se o estudante tiver alguma reclamação, deve se dirigir à Ouvidoria. O procedimento é igual ao de uma empresa, onde o seu dono, neste caso o Reitor, jamais dá as caras.
E por falar em movimento estudantil…
A direção majoritária da União Nacional dos Estudantes trata deste tema de um modo superficial e contraditório. Muito preocupada em elogiar o governo pela ampliação do acesso à universidade, a direção majoritária da UNE se furta de fazer o debate sobre a regulamentação do ensino privado, no sentido de discutir e lutar com os e as estudantes por democracia, assistência estudantil, qualidade do ensino e até mesmo pelo fechamento das desqualificadas faculdades privadas, fabriquetas de diplomas, que não param de brotar no país. E nem mesmo a oposição de esquerda (setor hegemonizado pelo PSOL) e a ANEL (PSTU) têm feito essa leitura e esse debate de forma consequente.
A organização do movimento estudantil de base, nessas universidades, encontra mais dificuldades do que na pública. Em que pese haver um grande volume de demandas estudantis, que são o principal motor do movimento, são diversos os bloqueios para os estudantes que querem se organizar. Se a maioria trabalha, essa maioria não tem tempo para atuar no ME. As reivindicações são dirigidas ao reitor, escolhido pela mantenedora, que sendo uma empresa tem muito mais compromisso com a sua margem de lucro do que com a garantia de direitos. Na maioria dos casos, justamente pelos motivos anteriores, não há cultura de participação e de movimentação estudantil.
As principais bandeiras de luta do movimento estudantil nas instituições privadas são: pela revogação ou o não-aumento das mensalidades; por mais bolsas de iniciação científica e mais pesquisa e extensão de verdade; por assistência estudantil (transporte, moradia, descontos e alimentação de qualidade, creche); pela regulamentação do ensino superior. Contudo, a reivindicação que deve orientar a luta dos e das estudantes deve ser a democratização da universidade. O fato de se tratar de iniciativa privada não pode conferir-lhes o direito de conservar uma estrutura medieval, ou monocrática, no seu interior. Quando os estudantes participam democraticamente das tomadas de decisões em todas as instâncias da universidade, como diria Olívio Dutra, ao invés de meros objetos, passamos a ser sujeitos da educação.
*Tábata Silveira é estudante de Direito da PUC-RS, bolsista do ProUni e diretora de Movimentos Sociais da UNE.
Fonte:   Página13 nº 111 ago 2012 (1,3 MiB, 87 hits)

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